Um modelo energético “anti-blackout” para proteger a agricultura espanhola

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Hoje, partilhamos a Tribuna publicada no EL ESPAÑOL por Antonio Alvarez Gallego Diretor de Operações da Bolschare Energy, que coloca uma questão urgente: Como proteger a agricultura dos desafios energéticos actuais e futuros?

O apagão de eletricidade de 28 de abril não só mergulhou as cidades espanholas no caos, como também milhares de explorações agrícolas em todo o país, que sofreram prejuízos devido à falta de abastecimento. O episódio convida-nos a colocar em cima da mesa um debate que entendemos agora, talvez, como mais necessário do que há algumas semanas: até que ponto é seguro o atual modelo energético nas zonas rurais do nosso país. Embora não ocorram muitos incidentes deste tipo, um pequeno contratempo tem um grande impacto. Fora das grandes cidades, onde a atividade não pára, um apagão pode levar à perda de produtividade, de dinheiro e até a riscos para a saúde.

A eletrificação das zonas rurais, e em particular do sector agrícola, enfrenta três grandes desafios: o nível dos cortes de energia, o preço da energia e a duração da instabilidade operacional. Os números, a este respeito, falam por si. Uma exploração rural deslocalizada na Catalunha, por exemplo, sofre uma média de 22 interrupções de energia por ano, em comparação com as 7 que ocorrem habitualmente em meio urbano; com uma duração máxima de até 19 horas, em comparação com as 5 que podem durar na cidade, segundo dados da Generalitat. Esta situação compromete os processos produtivos das explorações agrícolas e pecuárias e aplica-se à realidade do país no seu conjunto.

Não menos crítica é a dimensão económica do problema. Um relatório do Instituto para a Diversificação e a Poupança de Energia (IDAE) do Governo espanhol revela que 4,5% do consumo total de energia em Espanha é utilizado na produção agrícola e que a maior parte está ligada a dois elementos estruturais da gestão e do funcionamento das explorações agrícolas: os sistemas de irrigação e a maquinaria.

Acrescentemos ainda que, entre 2010 e 2020, o preço da eletricidade aumentou 60%, sendo que a média europeia foi de 28%, com valores actuais de 0,379 euros por kWh no ano passado. Por outro lado, existe uma grande dependência energética. Cerca de três quartos da energia produzida em Espanha provêm de importações de petróleo bruto e de gás que permitem o funcionamento de instalações que, pelas suas caraterísticas, não estão ligadas à rede de fornecimento de eletricidade. Este tipo de instalações é predominante no meio agrícola, que se caracteriza por infra-estruturas isoladas que, em muitos casos, não podem ser ligadas à rede geral.

Por último, temos os desafios operacionais. O grande apagão de há dias provocou na Andaluzia perdas de até 50% nas culturas recentemente transplantadas e afectou 20% do gado leiteiro devido a atrasos na ordenha, segundo dados da Coordenação das Organizações de Agricultores e Pecuaristas da Andaluzia. E tudo isto num contexto em que a eletrificação rural é 20% inferior à eletrificação urbana. Neste contexto, não podemos deixar de mencionar o acesso ao gás canalizado, que é minoritário.

O paradoxo é evidente: o campo espanhol gera 84% das energias renováveis consumidas no país, mas apenas beneficia, em termos de consumo, de 3% da eletricidade proveniente de fontes de energia limpas.

A solução para este cenário não pode limitar-se apenas à extensão das redes convencionais. São necessários novos modelos energéticos descentralizados, eficazes, eficientes e resilientes. Modelos que se caracterizam pela sua capacidade de adaptação ao meio ambiente, especialmente nas situações mais críticas.

Por este motivo, a combinação da instalação adaptada de diferentes tecnologias de geração e armazenamento, como a solar fotovoltaica, com infra-estruturas de biometano – capazes de converter resíduos orgânicos, industriais, agrícolas e pecuários em gás renovável – surge como uma necessidade estratégica para reduzir a dependência do campo, e de muitos ambientes rurais, da rede geral.

A promoção de instalações combinadas de tipo híbrido permitiria, em grande medida, fechar o ciclo energético para o consumidor final e reduzir as facturas normais. Contribuiria também para os objectivos de sustentabilidade e economia circular, facilitando o escoamento do excedente de energia não cumulativa produzida sempre que necessário.

Proporcionar um nível ótimo de independência energética ao sector agrícola e pecuário é mais do que uma questão de equidade para com uma das principais actividades económicas do país. Trata-se de garantir a continuidade de uma atividade essencial para a qual, em alguns casos – especialmente na pecuária – é quase impossível travar a sua dinâmica com garantias sanitárias. Por isso, dispor de sistemas robustos e adaptáveis para a produção de eletricidade em instalações pecuárias é uma necessidade premente.

O grande apagão de abril, embora pontual, pode ser visto como um sinal significativo de uma infraestrutura cuja capacidade foi posta em causa. O sector primário precisa de certezas e a garantia de energia é uma das mais necessárias. O reforço da autonomia energética não é apenas uma resposta a uma estratégia de sustentabilidade, é uma decisão estratégica que melhora a rentabilidade e reduz os riscos operacionais a curto, médio e longo prazo.

O cenário exige que o conceito de autonomia energética do mundo rural seja mais do que uma promessa a longo prazo. É um objetivo necessário que exige respostas de todos e que desafia também, em certa medida, os representantes institucionais. Para proteger a nossa agricultura e a nossa pecuária, é necessário apostar firmemente em novos modelos tecnicamente viáveis que permitam responder eficazmente aos imprevistos que podem ser perigosos para o futuro do sector.